"Não existem mais intermediarios entre o governo e o povo" : correspondencias a Getulio Vargas - o mito e a versão (1937-1945)

o objetivo deste trabalho é discutir o projeto de poder de Vargas, no período de 1937 a 1945 conhecido como Estado Novo, pela ótica dos seus efeitos, vale dizer, dos homens e mulheres que o recepcionaram. Para tanto, investigou-se a profusa correspondência enviada a Vargas por estes homens e mulheres comuns durante o próprio desenrolar dos acontecimentos, tendo em vista a intenção de observar como eles se apropriaram das mensagens e rituais de afirmação do regime e estabeleceram com este um processo de comunicação política, particularmente com a figura de Vargas. Assim, diante de um quadro de limitação de qualquer forma não controlada de representação pública durante o Estado Novo e das estratégias do regime de estabelecer um processo de aproximação com a população, visando a obtenção de consentimentos, adesões e controles politicos desta, tais cartas estão sendo vistas aqui como uma peculiar e possível forma de participação no período. Nossa proposta supõe que ao "manusearem" o projeto de organização e controle da sociedade elaborada pelo poder varguista, ao contrário de uma postura resignada e passiva, trabalhadores e populares interpretaram-na segundo um código cultural próprio, buscando alcançar seus propósitos de obtenção de vantagens, direitos e realização de justiça, gerando a situação paradoxal de simultaneamente ratificarem e confrontarem os rituais de dominação do regime. Nesse sentido, noções como justiça social, família como matriz de organização moral da sociedade, valorização do trabalho e do trabalhador como fonte de engrandecimento da nação, portanto direito e dever de todos, nacionalismo, patemalismo, e sobretudo a ideologia da outorga getulista e a mística criada em tomo da figura do presidente (o mito Vargas), reaparecerão com novas tonalidades e sentidos políticos diversosThis work addresses Vargas' power project, trom 1937 to 1945, known as "Estado Novo" (The New State), in the scope of its effects, that is, the men and women who underwent the process. To do so, the bountiful correspondence which was sent to Vargas by these common men and women during the unfolding ofthe events was examined, focussing on how these people dealt with the regime's messages and affirmation procedures and how a communication policy process between them and the regime was established, particularly with Vargas himself Thus, within a limited tramework, which in any case was not controlled by civil society during the Estado Novo and the regime's strategies to establish cJoser links with the public, targeted at obtaining consent, adhesion and political control, these letters are viewed here as a peculiar and plausib!e way of participating in that períod. This proposal presupposes that when the people "handled" the project drawn up by the Varguista regime to organize and control society, instead of taking a resigned and passive stance, the workers and people interpreted it according to their own cultural values, seeking to achieve their goals of obtaining advantages, rights and the carrying out of justice, creating a paradoxical state of affairs which simultaneously ratified and contested the regime's dominating procedures. Thereforc, notions such as social justice, the family as a base for the Oíganization of society's values, highlighting work and workers as a source of making the nation greater, thereby making this everyone's duty, nationalism, patemalism, and above all the ideology of lhe Getulista era and the mystique created around the president (lhe Vargas myth), re-appear under a new light and different political context